Destaque no Dekmantel, a DJ Barbara Boeing fala sobre carreira, cena curitibana e planos internacionais

Destaque no Dekmantel, a DJ Barbara Boeing fala sobre carreira, cena curitibana e planos internacionais

Viver num país imenso como o Brasil tem suas vantagens e desvantagens. Por um lado, suas fronteiras comportam uma imensa diversidade, por outro, essas dimensões acabam por nos distanciar ou até isolar em bolhas de consumo e conforto.

Muito provavelmente foi esse fenômeno que manteve uma DJ excepcional como Barbara Boeing florescendo bem debaixo do nariz dos grandes locais de difusão da música eletrônica no país. Ainda que ela tenha se lançado e desenvolvido num dos principais destes centros, Curitiba, sua trajetória recente de acentuada ascensão e conquista de um amplo e merecido reconhecimento faz até parecer com que ela tenha acabado de chegar.

Contudo, nada estaria mais longe da verdade: Barbara já conta uma década de dedicação à nobre arte de mover quadris e expandir mentes e, exceção feita a um breve hiato no qual aproveitou para recarregar energias e reforçar sua fé no ofício, ela se manteve firme e fiel a esta missão.

Esse é mais ou menos o foco desta conversa que tivemos com uma DJ que, a cada nova performance, granjeia mais admiradores fazendo algo tão simples como essencial para todos nós: compartilhar o que ama.

Comecemos do começo então: como essa jornada se iniciou?

Já faz dez anos que toco e isso sempre foi impelido pelo meu amor pela música. Eu comecei fazendo um curso na AIMEC, a escola de DJing e produção que é daqui de Curitiba, tendo como colega com o Felipe Muller. Éramos devotados àquilo e treinávamos muito junto, tudo motivado pela paixão e o quão divertido era para mim poder tocar o que gosto para outras pessoas.

Por quê? Ia além dos seus planos se tornar uma DJ profissional?

Sem dúvida, eu sou formada como engenheira, fiz MBA e trabalho com engenharia civil, amo o que faço e não tenho intenção de parar por qualquer motivo até aqui. Então quando tudo começou ficar mais “sério”, foi uma surpresa.

E fica cada vez mais sério, né? Até aqui só temos visto você tocar mais ganhar mais projeção com seu trabalho “nightjob”, chegando até a figurar em festivais como o o Dekmantel.

Olha, até agora eu nem sei como tudo aconteceu. Tocar num festival como esse que eu conheço admiro justamente pela dedicação integral à música que ele sempre demonstrou é meio que um sonho, ainda nem processei direito isso. Assim como ter sido convidada para fazer um dos podcasts da série que prenuncia o festival.

Mas e aí, e se houvesse alguma obra extremamente importante que exigisse sua presença no dia do Dekmantel. Como enfrentaria esse dilema?

Que pergunta cruel! Eu nem sei como lidaria com isso. Mas felizmente o meu “dayjob” na construção civil é muito regrado e eu trabalho apenas em dias úteis, então uma escolha dessas nem se colocaria para mim. E eu sei que quase todo mundo neste meio tem um dayjob e dão um jeito, então eu também daria.

Desse modo, imagino que fique mais fácil harmonizar essas duas dimensões da sua vida, evitando conflitos, não?

Eu tenho minha carreira que é bem estável e esse alter ego artístico que me dá muita felicidade, ambos me realizam e até aqui consegui conciliá-los muito bem. O regramento da minha vida semanal me ajuda a manter os finais de semana estáveis e intactos.

E sem excessos também?

Ah sim, eu tento me manter sóbria quando toco, mesmo porque eu sou muito perfeccionista, gosto de estar em pleno controle de tudo que faço e, querendo ou não, isso acaba interferindo na sua percepção de tudo e, consequentemente, na sua precisão tocando. E eu sou bastante exigente nesse aspecto comigo mesma.

Será que é a engenheira em você falando mais alto?

Pode ser, mas a coisa mais importante que aprendi nesse universo foi que todo mundo envolvido leva o que faz muito a sério. E me envolver nisso foi algo que expandiu minha perspectiva a respeito do profissionalismo de quem faz festas. Eu vi e vivi isso com a Alter Disco e não tenho vergonha em dizer que até ali enxergava o mundo da noite como um universo bem menos prático, até amador, algo que obviamente decorria de minha visão de mundo informada pela engenharia, então tive a oportunidade de vivenciar todos os riscos e tribulações que fazem parte desse universo de perto. Essa postura do DIY, toda essa coragem de meter as caras e não saber o resultado ou sequer esperar um retorno financeiro e tê-lo como certo foi realmente algo que abriu meus olhos e me mostrou outra dimensão da vida noturna, extremamente profissional e indiscutivelmente dedicada.

Tudo isso se passou com você como membro da Alter Disco, certo?

Sim, a festa sempre teve como intuito trazer algo novo musicalmente para Curitiba, algo que não tinha muito espaço entre o que se ouvia comumente nos clubs da cidade. Começamos fazendo nosso eventos e eles granjearam um público que acabou de tornando fiel, aberto ao que tínhamos a oferecer. E aí aprendi o quanto de trabalho e comprometimento vão no simples ato de realizar um evento, de qualquer tamanho, algo que eu até tinha como uma aventura, algo menor. Um mundo que ara meio  alheio a mim graças à minha formação acadêmica e profissional, mas que comecei conheci melhor e admirar muito mais com o passar do tempo e do aprofundamento da minha participação nele.

E o quanto isso teve a ver com seu desenvolvimento como DJ? Qual o lugar de Curitiba no que a Barbara Boeing se tornou hoje?

Lidar com sua terra natal é sempre algo conflituoso, te lapida pela pressão contra e a favor, te te molda pelo que te dá e te priva. Eu comecei tocando minimal quando ninguém tocava isso por aqui e tive um recesso no qual nem pensava em tocar, estava farta de muita coisa e fazer isso não me realizava mais tão plenamente como um dia fez, ainda que meu trabalho como DJ apenas exibido online tivesse me levado até Fortaleza. Foi uma transição difícil, mas a paixão pela música persistiu, ainda que focada em outras formas de fruição e execução: home listening e tocar numa banda de Indie Rock com amigos. Acabei voltando por insistência e insistência dos meus colegas e amigos da Alter Disco, tocando esporadicamente, sem compromisso e, quando fui ver, eles mesmos me falaram que eu já tinha retornado e sequer tinha notado.

Se ouvirmos um set atual seu ele tem pouca semelhança com o que se considera “minimal” hoje em dia ou estou sendo radical?

Claro que houve uma guinada. Eu mudei, Curitiba mudou, meu som mudou, a pista mudou e acho que hoje ela está mais diversa, tanto que pude me transmutar sonoramente e ter mais liberdade nas minhas viagens musicais sem me preocupar com algum tipo de rejeição, já que neste âmbito o público tende a ser mais aberto. Eu gosto de tocar edits e adoro me aventurar tentando segurar a mixagem naquelas irregularidades rítmicas que são típicas de músicas não quantizadas ou sequenciadas eletronicamente.

Foi essa abertura que acabou lhe trazendo mais oportunidades de se expressar como DJ?

Certamente, além do fato de que sempre me esforcei para trazer o meu melhor para um grupo de artistas que considero imensamente e me ajudaram por conta disso. E daí poder tocar em festas como a Mareh, a Selvagem ao lado do Millos e do Trepanado, no Dekmantel junto a tanta gente que admiro é uma decorrência dessa conjunção de fatores, externos e internos.

E isto também se insere numa cena que se abriu mais para os talentos femininos, não acha? Como você essas conquistas coletivas como uma mulher que lida com dois âmbitos profissionais tão predominantemente masculinos?

Eu aprecio a luta e todas os avanços que resultaram dela, mas eu também tenho muito apreço pelo que é feito em termos estritamente artísticos e se há algo que me deixa um tanto inquieta na militância é quando vejo pessoas tentando converter isso em êxito profissional direta e exclusivamente. Há um processo de inclusão que é gradativo e deve ser constante, mas os parâmetros de competência não deveriam ser alterados por ele. Todos se provam e testam mutuamente e essa admiração pelo que se procura fazer bem pelos seus seus pares é inestimável. Veja a engenharia, por exemplo, eu trabalho num ambiente majoritariamente masculino durante quase toda a semana e tenho essa dose de respeito hierárquico dos homens que trabalham comigo, mas ela também passa pela minha competência específica na área e meu papel no conjunto que formamos ali. Claro que, por vezes, eu preciso prová-la de forma mais enfática, mas isso está mudando. Há algumas décadas havia apenas uma mulher se formando em engenharia a cada turma nas universidades, na minha turma já haviam muitas mais e hoje em dia elas chegam quase à metade. Estamos progredindo, mas não aos trancos e muito menos aos berros, são atos e feitos que mudam coisas.

E quais são os próximos passos como DJ?

Logo após o festival eu vou aproveitar umas férias , que também será a minha primeira viagem internacional completamente sozinha. É algo meio assustador, mas é uma jornada de autoconhecimento que acredito que será muito revigorante e importante de forma geral. Acabei sendo convidada para tocar no Salon Zu Wilden Renate e vou explorar todas as possibilidades que essa viagem abrirá para mim. Desde novembro até aqui tudo tomou um ritmo tão intenso e tresloucado que fica até difícil considerar muitas etapas.

Alguma pretensão em produzir se insinua no horizonte?

Até o momento, não. Eu sou muito engenheira nesse sentido e gosto de ter tudo bem planejado ou, ao menos, estruturado no meu horizonte antes de assumir esse tipo de compromisso, prefiro vislumbrar algo e ver isso se desenvolvendo de forma organizada. Eu amo pesquisar e tocar música, sendo que isso já consome muito do meu tempo fora da engenharia civil, e só me meteria em mais uma atividade musical no dia em que parasse de fazer isso, o que não vejo acontecendo por ora.

Se houvesse algum conselho, palavra de sabedoria ou palpite que pudesse oferecer às gerações mais jovens que entram agora nessa seara, qual seria?

Acho que frisar que ser DJ exige uma dedicação enorme, tem de gostar muito do que faz para lhe dar ânimo para treinar bastante o que quer fazer para se tornar bom no que fará. E se você tem um gosto próprio e confia nele, vai conseguir criar algo muito bonito se expressando através do que ama, mas isso também exige habilidade e ela vem com a prática. E, por último, eu acho que se abrir faz parte desse amor, escutar sons sem preconceitos e sem se fechar num estilo. Vejo algumas pessoas sendo muito puristas hoje em dia, escutando somente um gênero e mixando apenas ele. Existe muita música de qualidade no mundo, você perde muito na vida quando se fecha em somente um!

Atração do Dekmantel, DJ Courtesy fala sobre Elis Regina e representatividade feminina na música

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Da Redação

Ainda que a Dinamarca não figure nas listas de pólos dançantes do mundo eletrônico, Courtesy brilha levando com ela uma imensa carga de autenticidade que, segundo ela mesma, foi nutrida e refinada em Copenhague, sua cidade natal. Parte de uma cena que ajuda a movimentar há uma década junto ao núcleo de agitadoras de pista Apeiron Crew, ela se firmou com uma das forças criativas centrais de um circuito artístico em franca expansão.

Agora como embaixadora da musicalidade de seu lar, ela chega ao Brasil para se apresentar no festival Dekmantel. A conversa com ela flui fácil e ela demonstra tanto domínio de sua imagem, opinião e destino quanto exibe em suas deliciosas seleções e serve como um excelente prenúncio para o que nos aguarda no aclamado festival holandês que chega ao antigo Playcenter em março.

É sua primeira vez se apresentando em qualquer edição do festival, certo?

Exatamente, meu debut com o Dekmantel vai ser em solo brasileiro. Acho que é uma ocasião especial, por tudo que ela envolve em diversas esferas.

Então dá para dizer que há uma certa ansiedade ou algumas expectativas envolvidas?

É inevitável se empolgar e tentar imaginar como será, ainda mais quando se inclui uma frustração inicial na equação. Eu pessoalmente procuro não criar expectativas, mas sim algumas imagens na minha mente, fantasias de como será. Creio que sempre há alguma curiosidade elementar sobre o público, sobre como vou conseguir me comunicar com todos através da música.

Mesmo assim, não é como se fôssemos completos estranhos para você, não é? Há um vínculo prévio já formada, com artistas e núcleos locais. Especialmente aquele que, como você, foram parte da RBMA e Tóquio em 2015.

Sem dúvida alguma. A Valesuchi e eu conversamos com muita frequência, é um laço que você cria com seus colegas de academia e ele consegue resistir ao tempo e à distância. Em nosso caso, também fazemos parte da família estendida do Sónar, já que nos apresentamos pela primeira vez no mesmo ano. Falamos sempre sobre todos os nosso interesses comuns e também estou muito feliz de tocar em Santiago, sua terra natal, nesta turnê. Além disso, ainda que ele não estivesse no mesmo termo que eu daquela turma da RBMA, o Pedro Zopelar é um amigo que estimo e um talento que admiro muito. Todos esses laços foram criados em Tóquio, nessa rede de artistas que se reuniu ali e que permaneceu em contato por afinidades e interesses comuns.

Então você vai fazer uma turnê na região também? Pré ou pós Dekmantel?

Estou bastante empolgada. Vai ser uma turnê longa que passa ainda por Nova Zelândia, Austrália, Noruega, daí América do Norte, São Paulo e mais outras cidades da América do Sul. Eu tenho andando na estrada bastante ultimamente, mas esta jornada vai ser uma das mais longas que já fiz.

Já tem algum tipo de método ou estratégia para não virar refém de uma agenda implacável de datas? Isso interfere em algum tempo que você gostaria de gastar no estúdio?

Bom, eu não produzo, então este problema não me afeta tanto. Sou uma DJ, gosto de tocar e, ainda que não possa dizer que jamais vá produzir algo, este não é um dos meus planos imediatos. Mas, no que se refere a enfrentar uma agenda como essas e não permitir que ela me consuma, isso é algo que estou aprendendo a fazer e sei que faço até bem. Valorizo o meu sono, cuido da minha saúde, mesmo que adore festejar e curta muito estar num club apreciando e dançando ao som dos sets de colegas e amigos, me resguardo quando posso. Ademais, gosto dessa correria, ela me gratifica e inspira, já que desde criança sonhava em viajar pelo mundo, conhecer lugares e pessoas. Então, sei bem que sou privilegiada em poder fazer o que amo de uma forma tão enriquecedora e emocionante, tocar para distintos públicos e diversos locais.

Como chegamos a esse tópico, vale perguntar: onde é sua casa? Ainda vive em Copenhagen?

Sim, ali é onde nasci,cresci e me tornei DJ, é o que chamo de lar até hoje. Porém, logo após essa turnê vou me mudar para Berlim, por diversos motivos e não estritamente profissionais. Vou para lá porque ficarei perto de tudo que movimenta minha vida atualmente, tenho colegas e amigos vivendo lá e certamente é o local em que você encontra quem precisa ou deseja co a maior facilidade ou frequência. A proximidade da Dinamarca certamente tornam tudo menos drástico, já que tenho família e amigos ali, além de uma comunidade artística, das quais não tenho a menor intenção de me afastar.

Há quanto tempo você toca?

Já toco há dez anos e minha cidade natal é o solo no qual cultivei meus gostos, moldei tanto minhas iniciativas como minhas aspirações e encontrei pessoas que tinham em comum comigo essa paixão, pelos discos e a música que eles carregam, assim como por tudo que é possível fazer com eles. O coletivo do qual fiz parte durante bastante tempo de minha carreira, Apeiron, é o entrecruzamento de alguns dos elementos mais cruciais que fazem de Copenhagen um lugar especial para mim, entre as lojas de discos, as festas, toda a comunidade que se forma em torno disso…

Hoje em dia você percorre o mundo como artista solo, mas ainda há uma conexão com as suas colegas da Apeiron e a cena dinamarquesa como um todo?

Seria impossível para mim cortar toda e qualquer tipo de ligação com tudo o que ainda existe ali, seja o que ajudamos a construir ou o que me nutriu como DJ. Nem tenho como negar que foi meio assustador embarcar nessa aventura sozinha, já que nosso ambiente sempre foi de muita camaradagem e apoio mútuo. Mama Snake e as meninas sempre me mantiveram afiada e desafiada, dentro da nossa dinâmica interna de estímulo recíproco e de intercâmbio de ideias e projetos. E ainda em meio a isso tudo conseguimos apoiar nossa comunidade local de artistas.

Isso é algo ainda é feito através do Ectotherm, não?

Claro, é uma extensão desse trabalho de divulgar o talento que se forma e se desenvolve no quintal de casa e é um esforço do qual retiramos muito orgulho e satisfação. Ser uma plataforma para pessoas cuja trajetória vimos de perto ou mesmo que seja um talento completamente novo é um privilégio e é muito bom poder fazer isso de diversas maneiras e pelo mundo todo.

Mas, voltando ao Apeiron, sendo formado por mulheres exclusivamente, ele se formou como um coletivo que procurava dar maior visibilidade a um grupo que, de outro modo, não teria essa estrutura para se expressar ou foi fruto de algo mais circunstancial? Porque, ainda que isto possa parecer uma visão meio idealizada, parece um tanto difícil imaginar as mulheres dinamarquesas passando pelas mesmas agruras que as demais pelo mundo e a união parece ter tido bons resultados em termos de proteção e promoção feminina atualmente.

Nós nos juntamos por afinidades musicais e artísticas, tínhamos muito em comum e, como eu disse, criamos uma relação muito fértil de cooperação e competição entre nós que nos fortaleceu muito. É fato que não enfrentamos um ambiente tão hostil, os homens dinamarqueses não têm problemas em lidar e expressar seus sentimentos e sabem ser doces e compreensivos sem que isso seja um demérito ou embaraçoso.

Há uma maior liberdade para as mulheres serem o que quiserem e puderem e, por isso, há muitos exemplos a serem seguidos, muitos modelos femininos positivos. O que se vê hoje ter se tornado um ponto de contenda e, para você, faz parecer com que sejamos relativamente progressistas, é fruto de ignorância e insegurança e deve ser combatido por todo mundo, não só as mulheres. Talento e capacidade não tem nada a ver com gênero.

E a música de maneira mais ampla e abstrata, qual o lugar dela na sua vida?

Não cresci num ambiente propriamente musical, minha mãe sendo professora e meu pai dentista, um fato que sempre me proveu estabilidade, seja financeira ou profissional, já que pude trilhar meu próprio caminho sem nenhum tipo de comparação ou pressão. Ali eles ouviam música e eu também, por proximidade. Contudo, minha paixão foi se desenvolvendo naturalmente, através da adolescência até hoje, ao ponto em que posso dizer com toda segurança que a música não é apenas uma profissão, é algo intrínseco ao que faço, vivo e sinto. Vai da minha paixão por garimpar discos até tocar diante de um público para compartilhar todos esses achados e promover artistas cujo trabalho me encanta. Eu adoro particularmente ir atrás de coisas dos anos noventa, entrar numa loja e me perder naquele mar de possibilidades e achados.

E nossa música? Ela teve um lugar especial nessa paixão?

Meu contato com a música brasileira é recente, saí para comprar alguns discos quando vim pela primeira vez e acabei ficando com mais tempo livre que o planejado, infelizmente. Peguei um disco da Elis Regina que acabou se tornando a trilha doméstica do meu verão, bebendo vinho na sacada de casa, e me perdendo na beleza daquela música. Fez absolutamente todo sentido.

E, levando tudo que conversamos em conta, o que sobra para dividir com as meninas que se aventuram pelo mesmo mundo que você já desbrava há dez anos?

Acho que, se puder dar algum conselho ou aviso, seria o de pararem de acreditar nesse mito irrealista de que todo mundo tem talento nato. Mesmo para que tem, e são pessoas especiais, nunca é fácil. Eu demorei muito, mas muito mesmo para aprender a mixar músicas do jeito que queria e gostava de ver sendo mixadas, beatmatching me tomou muito tempo e dedicação. Então, acho que se frustrar é muito improdutivo e treinar é o que mais conta. Pode ser que leve mais tempo, pode ser que leve menos, mas vai ser o seu tempo.

A russa Dasha Rush, atração que deve surpreender no Dekmantel, fala sobre seus equipos e produções na coluna Meu Estúdio

A russa Dasha Rush, atração que deve surpreender no Dekmantel, fala sobre seus equipos e produções na coluna Meu Estúdio

A russa Dasha Rush, uma das atrações do festival holandês Dekmantel, que acontece pela primeira vez fora da Holanda em São Paulo, nos dias 4 e 5 de fevereiro, é daquelas artistas que deixam uma marca forte na plateia. Seu techno nem sempre tem a função final de fazer dançar com o corpo – seu som é muito mais uma ginástica para o cérebro.

Suas produções já saíram por selos como o alemão Raster Noton, de Carsten Nicolai, um dos principais celeiros do mais alto padrão de música eletrônica experimental do universo, lar de produções de Alva Noto e Ryuichi Sakamoto, só pra citar dois ícones do gênero.

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Pelo RN, ela lançou o aclamadíssimo Sleepstep – Sonar Poems For My Sleepless Friends, no final de 2016, uma amálgama de composições abstratas e etéreas que ora funcionam como uma cama de texturas emoldurando possíveis sonhos no espaço sideral, ora se materializam em forma de spoken word à la Laurie Anderson.

Ouça o álbum Sleepstep… de Dasha Rush

Suas experimentações vão ainda mais a fundo com os lançamentos de seu próprio selo, Fullpanda, lançado em 2005, do qual é dona e diretora artística. Ali ela dá espaço para lançamentos de industrial, dark e ambient techno. “All you need is years” é o lema do selo e de sua dona também. Não à toa, ela tem sido convidada para participar de festivais onde a música vem antes de tudo: Mutek, Atonal, Volt e Dekmantel, entre outros.

Muito curiosas, fomos atrás de saber o que Dasha mantém em seu estúdio. Ah, vale dizer que ela toca no Dekmantel SP no dia 5, dentro da programação diurna. Para ingressos, é só clicar aqui.

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WME – Explique o seu setup, e fale sobre particularidades de alguns equipamentos que fazem parte dele.

DASHA RUSH – Meu estúdio está em constante mudança. Uso hardware e software, não caio em radicalismos de escolher um ou outro. Acho que todos os aspectos da tecnologia têm suas vantagens e desvantagens. No momento (que talvez dure uns três meses) meus brinquedos são: Xenophone e Blofeld, meu pequeno (muito pequeno) universo de modulares está crescendo aos poucos 🙂 O sequenciador Dark Time é o meu xodó, além disso estou usando uma drum machine Elektron, uma Vermona (drum machine), uma Roland 909 e algumas outras ferramentas… Mas não vou listar todos os meus equipamentos 🙂

Em termos de software, estou amando há anos o NI Reaktor. Acho que é uma ferramenta incrível pra fazer música. Também tenho mexido na nova Machine da Native Instruments (talvez eu a inclua numa performance ao vivo). Então está tudo sempre mudando, um mês eu busco algo num num synth, no mês seguinte já pode mudar, dependendo da ideia ou humor. Porém tem alguns elementos que irão ficar comigo por um longo tempo, eu acho. Alguns exemplos são a Roland 909 e Roland System 100. Existe algum tipo de conexão emocional entre mim e esses dois equipos. Como principal digital audio workstation eu uso Cubase. E, claro, tenho um mixer de 32 canais, falantes, módulos de efeitos e toneladas de cabos!

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WME – Como é o seu workflow (fases de composição e gravação, arranjo, corrente de processamento de sinal, etc…)?

DASHA RUSH – Minha abordagem artística muitas vezes vem de uma ideia razoavelmente bem formatadas na cabeça. Podemos dizer que eu faço música que tem foco em algo, a maior parte das vezes. Pode ser um oceano, uma pessoa, até uma luz que eu vi numa noite, pode ser uma memória pessoal ou um pensamento sobre o mundo. Pra mim, é como pintar com as frequências, notas e sons. Diria que eu pinto com sons. Então quando eu tenho algum tipo de visão, eu escolho uma ferramenta (como se fosse um tipo de tinta ou textura de tela) e começo o processo de criar um som que corresponda àquela ideia e daí em diante, até eu atingir a forma desejada.

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WME – Qual o seu maior sonho de consumo em equipamentos ou ferramentas e por quê?

DASHA RUSH – Tenho uma imagem meio idealizada de mim mesmo de quando eu for velha. Gostaria de ter um Buchla e uma harpa de concerto. Por quê? Não sei explicar, apenas acho o som lindo, e também esteticamente acho incríveis os dois. Me vejo tomando um chá e ir tocar a harpa e depois do Buchla numa linda casa de madeira em algum lugar perto da natureza. Não sei se vai acontecer, mas eu gostaria.

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WME – Onde e como você começou a trabalhar em estúdio? Explique um pouco o seu processo de aprendizagem e trajetória.

DASHA RUSH – Comecei a aprender o processo de composição em música eletrônica no final dos anos 90. Naquela época, eu já tinha começado a discotecar, mas tocar não era o bastante para o meu apetite criativo. Primeiro eu aprendi com um amigo o uso básico de sintetizador, sequenciador e da estrutura dos sons. Tudo começou pra mim com software, eu não tinha equipamentos e tudo era muito cara – e talvez fosse cedo demais também 🙂  Eu pegava coisas emprestado, testava, lia sobre a física do som e tentava coisas. Minhas primeiras tracks foram feitas junto com esse meu amigo. Depois de 98, comecei a explorar sozinha e comecei uma sistema de aprendizado solitário. Basicamente eu me joguei no ato de fazer música com o que eu tinha em mão, aos poucos comprando ferramentas, criando progressivamente minha primeiras performances ao vivo e lá pela metade dos anos 2000 me senti confortável o suficiente para lançar e criar meu próprio selo. Foi um processo interessante e consistente. E ainda é!!! Acho que evoluí, assim como a tecnologia evoluiu, o que eu quero dizer com isso é que nunca se deve parar de aprender. A outra coisa importante no processo criativo além de desenvolver suas habilidades técnicas, eu acho, é ganhar algum tipo de maturidade nas suas próprias ideias, desenvolvendo sua visão e estilo pessoais. E isso só vem com o tempo.

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WME – Quais as ferramentas ou características que você considera mais importantes em um estúdio?

DASHA RUSH – Cérebro e ouvidos! E, provavelmente, uma enorme vontade de explorar música, além de um pouco de talento. Acho, honestamente, que você pode fazer uma pela peça musical com alto faltantes de merda e um mínimo de equipamento, desde que você tenha algo a dizer.